Alexander cleave é, ou costumava ser, um ator
Agora, aos cinquenta anos de idade e segundo suas próprias palavras, é "um homem adulto numa casa assombrada, obcecado pelo passado"
O fato é que ele abandonou os palcos num rompante, quando uma apresentaçao rumava para o seu clímax, para, depois, isolar-se na casa em que cresceu e se entregar a uma sucessao de "dias vazios", os quais "parecem feitos metade de tempo e metade de memória".neste romance impar, de tom lírico, o irlandês john banville parece ressaltar a todo instante que o isolamento de cleave é superficial ou, melhor dizendo, apenas aparente
De fato, seu narrador-protagonista está o tempo todo soterrado por uma multidao fantasmagórica, com a qual procura dialogar, ainda que sua esposa lydia faça questao de frisar: "você é teu próprio fantasma".assim, como se estivesse "condenado" a passar seus dias "revolvendo palavras, frases avulsas, fragmentos de memória", cleave nao se distancia, mas acaba por mergulhar nos outros, em lydia, na filha cass e, claro, nos que partiram ou estao prestes a partir
Cass, que sofre de uma enfermidade similar à esquizofrenia, é uma ausência opressora, a unica pessoa capaz de resgatar o pai de sua idealizada tentativa de autoexílio para algo aterradoramente real.banville empresta às idas e vindas de cleave uma beleza dilaceradora
Sua voz procura se firmar como a derradeira tentativa de sustentar as paredes de um mundo que se esfarela
Ao final, depois que "o real adquire uma qualidade tensa, trêmula" e tudo parece mesmo "fadado à dissoluçao", resta-nos a certeza e, talvez, o consolo de que o esforço, pela sua própria e extraordinária beleza, nao é, nao pode ser inútil.o segundo romance da trilogia, sudário, será lançado em breve pela biblioteca azul
Luz antiga, que a finaliza (todos os livros podem ser lidos separadamente), foi lançado em 2013 na flip (festa literária internacional de paraty), quando banville foi autor convidado do evento.