O passado nao é apenas o livro até agora mais ambicioso de alan pauls: é uma dessas obras que sintetizam, criticam e levam adiante toda uma literatura
No caso, a literatura de ficçao urbana argentina, cujos motivos centrais o autor revisita e reelabora: a metafísica do amor, a geografia sentimental de buenos aires, o movimento pendular dos personagens entre o bairro e o grande mundo, o absurdo do cotidiano exacerbado até raiar o fantástico
Ecos de cortázar, bioy casares, puig e piglia sao ouvidos aqui e ali, mas numa voz nova e original
Como acontece em toda grande obra estética, forma e conteúdo sao inextricáveis em o passado
Sua prosa barroca, luxuriante, traduzida com brilho e elegância por josely vianna baptista, reproduz, em sua própria construçao labiríntica, o cipoal em que o protagonista se enreda
Longos períodos, cadenciados por apostos e oraçoes subordinadas, com uma profusao de metáforas e referências literárias, pictóricas e cinematográficas, tudo isso envolve o leitor num mundo ao mesmo tempo denso e poroso, rico em informaçoes e surpresas
Uma das astúcias narrativas de pauls consiste em acompanhar, em terceira pessoa, a trajetória de rímini após a separaçao, mantendo sofía na sombra, de onde de quando em quando ela ressurge inesperadamente, transformada, como uma entidade mutante, para reivindicar os direitos do passado
Outro recurso engenhoso sao as digressoes sobre a vida e a obra do fictício pintor europeu jeremy riltse, cuja sick art, que consiste em grande parte de automutilaçoes com fins estéticos, reverbera e ilumina obliquamente o destino do casal protagonista
Papel semelhante é desempenhado no livro por filmes como rocco e seus irmaos, de luchino visconti, e, sobretudo, a história de adèle h, de françois truffaut, que servirá de inspiraçao para o bar "temático" criado por sofía e suas camaradas da sociedade das mulheres que amam demais
Cabe lembrar que o nome do protagonista, rímini, remete à cidade natal de federico fellini, cineasta cuja principal matéria-prima era a memória.