Mulheres, raça e classe, de angela davis, é uma obra fundamental para se entender as nuances das opressoes
Começar o livro tratando da escravidao e de seus efeitos, da forma pela qual a mulher negra foi desumanizada, nos dá a dimensao da impossibilidade de se pensar um projeto de naçao que desconsidere a centralidade da questao racial, já que as sociedades escravocratas foram fundadas no racismo
Além disso, a autora mostra a necessidade da nao hierarquizaçao das opressoes, ou seja, o quanto é preciso considerar a intersecçao de raça, classe e gênero para possibilitar um novo modelo de sociedade
Davis apresenta o debate sobre o abolicionismo penal como imprescindível para o enfrentamento do racismo institucional
Denuncia o encarceramento em massa da populaçao negra como mecanismo de controle e dominaçao
Dessa forma, questiona a ideia de que a mera adesao a uma lógica punitivista traria soluçoes efetivas para o combate à violência, considerando-se que o sujeito negro foi aquele construído como violento e perigoso, inclusive a mulher negra, cada vez mais encarcerada
Analisar essa problemática tendo como base a questao de raça e classe permite a davis fazer uma análise profunda e refinada do modo pelo qual essas opressoes estruturam a sociedade
Neste livro, tal discussao é sinalizada pela autora por meio de sua abordagem do sistema de contrataçao de pessoas encarceradas nos estados unidos, que já durante o período escravocrata permitia às autoridades ceder homens e mulheres negros presos para o trabalho, em uma relaçao direta entre escravidao e encarceramento como forma de controle social.nesse sentido, mesmo sendo marxista, davis é uma grande crítica da esquerda ortodoxa que defende a primazia da questao de classe sobre as outras opressoes
Em 'as mulheres negras na construçao de uma nova utopia', a autora destaca a importância de refletir sobre de que maneira as opressoes se combinam e entrecruzam:as organizaçoes de esquerda têm argumentado dentro de uma visao marxista e ortodoxa que a classe é a coisa mais importante
Claro que classe é importante
É preciso compreender que classe informa a raça
Mas raça, também, informa a classe
E gênero informa a classe
Raça é a maneira como a classe é vivida
Da mesma forma que gênero é a maneira como a raça é vivida
A gente precisa refletir bastante para perceber as intersecçoes entre raça, classe e gênero, de forma a perceber que entre essas categorias existem relaçoes que sao mútuas e outras que sao cruzadas
Ninguém pode assumir a primazia de uma categoria sobre as outras.a recusa a um olhar ortodoxo mantém davis atenta às questoes contemporâneas, que abarcam desde a cantora beyoncé à crise de representatividade
A discussao feita por ela sobre representaçao foge de dicotomias estéreis e nos auxilia numa nova compreensao
Acredita que representaçao é importante, sobretudo no que diz respeito à populaçao negra, ainda majoritariamente fora de espaços de poder
No entanto, tal importância nao pode significar a incompreensao de seus limites
Para além de simplesmente ocupar espaços, é necessário um real comprometimento em romper com lógicas opressoras
Nesse sentido, acompanhar suas entrevistas é fundamental.davis traz as inquietaçoes necessárias para que o conformismo nao nos derrote
Pensa as diferenças como fagulhas criativas que podem nos permitir interligar nossas lutas e nos coloca o desafio de conceber açoes capazes de desatrelar valores democráticos de valores capitalistas
Essa é sua grande utopia
Nessa construçao, para ela, cabe às mulheres negras um papel essencial, por se tratar do grupo que, sendo fundamentalmente o mais atingido pelas consequências de uma sociedade capitalista, foi obrigado a compreender, para além de suas opressoes, a opressao de outros grupos.