Embora escrito e pensado com um claro objetivo acadêmico, gostaria que o leitor que porventura tenha este livro nas maos, percebesse que os exemplos e ilustraçoes de minha argumentaçao, a linguagem que exercito e os instrumentos de que lanço mao para seduzi-lo a permanecer lendo-o, sao aqueles da literatura, domínio onde aposto minhas fichas na tentativa de modificaçao da linguagem pedagógica, hoje dominada por clichês e jargoes que apontam, in extremis, para a falência do pensamento, para nossa incapacidade de interromper o continuum de nossa existência, repetindo os automatismos de nossas respostas
É isto o que chamo de crise
A linguagem pedagógica que utilizamos, mergulhada em humanismo otimista, deixou de ser convincente e como nao há vácuo social nem discursivo, o espaço deixado pela in-significância de nossa linguagem está sendo ocupado pela distopia tecnocrática, comandada pela metafísica do mercado
Eis porque, defendi neste ensaio a necessidade de uma mudança na linguagem pedagógica e sugeri - embora com uma certa descon-fiança - que a literatura nos conduzisse nesta aventura, embora nada possa dizer a respeito do que nos espera ao fim de tal empresa
Se sugeri que a estrutura narrativa da obra literária pode nos fornecer elementos - para além do político - de reconstituiçao do espaço público e das subjetividades individuais, é porque aqui, parece-me, reside um fertilíssimo terreno onde apoiar a noçao kantiana e arendtiana de pensamento representativo: o descen-tramento que dá ao espaço público sua condiçao decisivamente política, que é a disputa com outros pontos de vista sobre os significados do mundo comum
Nao sei se isto serve de consolo aqueles que, por acaso, veem neste ensaio um libelo desesperado diante de um mundo em vias de desaparecer, mas, ao absurdo de empurrar interminavelmente nossas pedras montanha acima, segue-se sempre o momento da contemplaçao e da consciência quando elas rolam ladeira abaixo
O que nao podemos desconhecer é que a falta de familiaridade com o mundo (o absurdo camusiano) atingiu o coraçao de nossa instituiçao escolar, espremida entre o fracasso das promessas demiúrgicas de uma modernidade que já se vai e a necessidade de novas ilusoes.