Para antes que a gente vire pó: (breviário de errância) longe de ser o pecado capital ou a entidade terrificante como os pastores, os rabinos, os padres, os demi filósofos, as donas de casa, os empresários bem sucedidos" e outros ilustres moralistas costumam apregoar de dentro de suas sotainas, a inveja (cujo patrono seria caim) pode ser o instrumento mais puro e preciso de que dispomos para identificar as malandragens instituídas, a covardia moral os privilégios descarados e as ignominias sociais
(diga-me a quem invejas que saberei onde está instalado mais um ladrao e mais um impostor!)
Daí o reconhecimento - mesmo tardio - de que caim foi nosso primeiro herói iconoclasta, nosso primeiro homem de exceçao, nosso tita e justiceiro pré-histórico, o mais macho dos homens e o primeiro sujeito a dizer audazmente um nao, tanto a deus como a toda imbecilidade e a toda neurose viciada e repetitiva que viria atormentar a família nuclear pelos séculos afora
A proposiçao socrática do "conhece-te a ti mesmo" gravada numa parede do templo de delos, nao é nada diante da pergunta de caim: "por que esse babaca e nao eu?"
Acusado secularmente de ser a bile negra, de cometer o primeiro crime da espécie, de ter tentado sabotar o projeto divino e de ser o patrono dos ressentidos e dos invejosos, caim, o protagonista principal dessa anedota infame, foi apenas o bode expiatório de uma ideaçao educativa falida, bem como a primeira vítima tanto da soberba divina como da baixeza familiar, da ignorância dos pais e de um moralismo putrefato, abstrato e esdrúxulo.