Finalista do concurso contos do rio, promovido pelo jornal o globo , em 2008, e autora da coletânea de contos o pudim de albertina , a escritora e professora natália nami estreia na narrativa longa com o contorno do sol
Em seu primeiro romance, natália apresenta uma protagonista dilacerada pela solidao, dividida entre suas memórias e uma angústia premente que a faz adiar a decisao de atender ou nao a campainha que soa insistente lá fora
Presa nesse dilema, que é para o leitor um enigma - quem ou o que afinal aguarda do outro lado da porta -, flávia, uma mulher de meia-idade marcada por um grande trauma de infância, relembra sua história, entre uma garrafa de café e muitas outras de uísque
Narrado em primeira pessoa, o livro acompanha o pensamento de flávia nesse momento de agonia ante a campainha que toca
Ela sabe quem a espera lá fora, mas o leitor, nao
Enquanto adia a decisao de abrir a porta, flávia revê sua vida como num caleidoscópio
Fatos, sonhos, sentimentos e sensaçoes se misturam, uma coisa levando a outra, uma lembrança puxando outra, sem obedecer a um critério cronológico
Com medo de suas próprias lembranças, ela evita repetir as ultimas palavras que disse a seus pais na noite em que eles morreram num acidente de carro quando ela tinha treze anos
Seria a culpa capaz de apagar a memória? surpreendido por um emaranhado de fragmentos demasiadamente humanos, aos poucos o leitor vai descobrindo um pouco mais sobre essa mulher, a caçula de uma família do subúrbio do rio de janeiro, talvez a protegida da mae, que agora vacila diante da porta
As pequenas traquinagens infantis, os excessos da juventude, os dilemas religiosos, a eterna sombra da irma bailarina, o longo relacionamento com o desenhista, as enlouquecedoras sessoes com a psiquiatra doralice, os bate-papos com samir, ex-aluno de sua mae e melhor amigo de flávia, os sonhos, o trauma
Nao há escalas de valor para a memória
Grandes ou pequenos, os fatos se sucedem e se interligam para moldar o presente
E o presente exige uma decisao
Nesse clima de tensao crescente, lembranças dolorosas se alternam com reminiscências singelas, como as escapadas para tomar picolé de uva na padaria com a mae às escondidas ou as noites embaladas por histórias ao pé da cama, emprestando à narrativa leveza e descontraçao
Em outros momentos, a angústia permanente mancha até mesmo um domingo de praia com o namorado: "vamos embora?, convidei, sentindo que precisava arrancar meu corpo daquela nuvem tépida e furar a bolha, deixar-me arranhar no trânsito das horas, permitir que a dor de todos os dias chegasse também aquele domingo e o deixasse confortável, sem o brilho excessivo do sol"
Dona de uma prosa pungente, natália nami pisa no território minado da memória em seu primeiro romance sem medo de dar um passo em falso
Enquanto prende o leitor com o enigma da campainha que toca e o instiga com relaçao à mais traumática de todas as lembranças de sua protagonista, a autora recria o mundo interior de sua personagem com uma narrativa densa, intimista e rica em metáforas, à la clarice lispector
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