Com uma prosa afiada e provocativa, o cineasta nova-iorquino jonathan nossiter desmistifica o mundo dos vinhos ao relacionar enologia, cultura, arte e cinema, e incita o leitor a questionar as próprias papilas gustativas
Se o gosto é o reino da idiossincrasia, quem tem olho é rei na terra da degustaçao às cegas
Assim, contrariando a "histrionice temperada com efeitos botox do carvalho novo", que hoje rende os aplausos mais calorosos da imprensa especializada, o polêmico documentarista jonathan nossiter dirige seu juízo nao tanto ao gosto dos críticos, mas sobretudo ao poder de uma nova casta de consumidores socialmente ambiciosos, porém culturalmente ignorantes
Para nossiter, a sobrevivência dos vinhos de terroir, testemunhas seculares da civilizaçao, associada ao sistema da designaçao de origem (anterior ao sistema californiano do tipo de uva), torna-se hoje uma questao de patrimônio mundial, de valor universal, da cultura
Contra a "pátina instantânea", que imita artificialmente o envelhecimento, mas também contra a noçao de que o "pequeno sempre é bom e o grande é mau", nossiter conclui que para ser crítico nao se pode é ser empregado do sistema do vinho
O périplo do autor começa no rio de janeiro, na companhia dos também cineastas walter salles e karim aïnouz, em torno de um aglianico del vulture, da regiao onde pasolini rodou o evangelho segundo sao mateus; e daí percorre diversas caves, restaurantes, vinícolas e shopping centers de vinho da europa
Desses caminhos, surge um panorama enviesado do mercado do luxo, de um ponto de vista senao de uma gastrutopia, do luxo gastronômico para todos, ao menos da autonomia de um apaixonado curioso pela dimensao cultural do vinho, disposto a reforçar a liberdade de expressao do próprio prazer, sem sujeitar-se a formulaçoes híbridas de boa publicidade e má poesia.