Inquisiçao: o reinado do medo é um trabalho de fôlego do jornalista e professor toby green sobre a perseguiçao religiosa institucionalizada por espanha e portugal em seus domínios, desses que se tornam referência para os interessados e estudiosos do tema
Durante quatro anos, o autor vasculhou alguns dos mais emblemáticos centros de memória e pesquisa do mundo - entre os quais os arquivos secreto do vaticano, o geral das indias e o histórico nacional, em madri, as bibliotecas britânica e a da ajuda, em lisboa, além do museu do prado
Ao proporcionar uma leitura ampla dos eventos e relatos estudados, green remete-se a freud ao apontar a neurose, a repressao e as distorçoes de sexualidade como causas principais das mortes e dos tormentos sofridos em nome da fé e de deus
A inquisiçao foi, por trezentos anos, a mais eficiente máquina burocrática de repressao do mundo que assombrou o imaginário coletivo com base na pedagogia do medo
Foi fruto mais de motivaçoes políticas do que religiosas, sendo controlada pela coroa espanhola sem a interferência do papa
E resultou extremamente rentável para seus perpetuadores
O papado havia criado uma instituiçao semelhante no fim do século xii
Mas a reinvençao dos "reis católicos", estabelecida para varrer os hereges de seus domínios, serviu, sobretudo, para que fernando de aragao e isabel de castela assegurassem o controle do território espanhol, marcado pela convivência, no passado, entre cristaos, judeus e muçulmanos
No prólogo, green dimensiona histórica e geograficamente o alcance do santo ofício
"de 1478 a meados do século xviii, a inquisiçao foi a mais poderosa instituiçao da espanha e de suas colônias na ilhas canárias, na américa latina e nas filipinas
A partir de 1536, no vizinho portugal e nas colônias portuguesas na africa, na asia e no brasil, a inquisiçao foi preeminente durante 250 anos
Isso quer dizer que foi uma força significativa em quatro continentes por mais de três séculos.", escreve
Ao criar um inimigo comum, fortalecia-se o poder monárquico central ainda ameaçado por influências locais nao-católicas
A princípio, judeus e mouros convertidos viraram alvos; que na sequência se estenderam a hindus, luteranos, huguenotes, franco-maçons, seitas místicas, bígamos, padres fornicadores, marinheiros sodomitas, homossexuais e bruxas
Aos poucos, as atrocidades alcançaram o império colonial
Boa parte dos territórios espanhol e português permaneceu semi-habitado e suas populaçoes, imersas em crendices e sob o comando da cultura da deleçao
Com as proibiçoes da livre circulaçao de ideias e de livros, a península ibérica e seus domínios no ultramar nao passaram pela efervescência intelectual que tomou conta do resto da europa no século xviii
A pá de cal da instituiçao só foi lançada com o triunfo dos ideais iluministas e das tropas de napoleao na primeira década do século xix
Mas nao sem deixar para a posterioridade sua herança
O autor nao se restringe a remontar o extenso e intrincado mapeamento histórico da inquisiçao
Adota uma perspectiva mais abrangente, atribuindo ao legado inquisitorial o ovo da serpente dos regimes totalitários do século xx
A começar por franco e salazar na península ibérica
O historiador argumenta que a obsessao pela "limpeza do sangue" serviu de prenúncio para a ideologia fascista e seu desdobramento mais terrível, o nazismo.