O selo escrituras, dentro da coleçao ponte velha, ediçao apoiada pelo ministério da cultura de portugal e pela direçao-geral do livro e das bibliotecas (dglb), publica caligrafia da solidao, de maria joao cantinho, organizado e prefaciado por carlos nejar, membro da academia brasileira de letras.a lusitana maria joao cantinho tem a coragem de assumir o fato de que "a linguagem de poesia nao tem limites"
E é esse o princípio de toda a sua criaçao
Nao aceita barreiras à linguagem, ou melhor, a linguagem nao lhe aceita barreiras
Ou inventa suas razoes na capacidade direta de sonhar.o clima é onírico
E a imobilidade que ocupa este universo é a da palavra que luta contra a habitual inércia, quando o ato de narrar é procedimento de alma, chocando a linguagem andante e a outra, num levantar de aves em arribaçao
As imagens voam
A imanência e o ser, o medo e o brumor, a inocência e a levidade, a convalescença dos sonhos e os sonhos que se corporificam e integram os viventes, ou a natureza em torno
E maria joao cantinho, pela limpidez e despojamento, tem algo dos videntes, dos ébrios de eternidade
Os contos se ativam de várias vozes, todas com significaçao, reflexos do inumerável espelho
Mesmo que a vida se apresente, como vislumbrou shakespeare, o movimento de "som e fúria ditos por um louco"
Entretanto, a loucura, aqui contida, indispensável, parte do cosmos, delírio sadio contra o raciocínio contemporâneo por demais enfermo, que carece de infância e liberdade
E maria joao ama a linguagem e é por ela amada -- o que se torna básico, sem o que nao há inventaçao
Ao deliberar a fábula, desinventa a regra moral
E prova, como grande contista, que nao é em vao que somos palavra
E errantes, porque temos destino
Andar é a suprema vidência.